Leandro Alves

A ética ambiental protestante a partir da noção de fim último da criação de Jonathan Edwards

03 outubro 2021

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Resumo

O presente artigo tem por objetivo demonstrar que a fé cristã resulta em uma ética ambiental. Será exposto o problema ambiental atual e sua possível origem na antropologia vinda da síntese cristã-platônica. Também, como a partir da noção de fim último da criação, o cuidado do meio ambiente resulta da glória de Deus e será mostrado o surgimento natural da ética ambiental protestante no século XX.

O problema ambiental e a síntese cristã-platônica

De acordo com relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), 30% das espécies do planeta correm o risco de desaparecer caso a temperatura global do planeta aumente 2ºC. A emergência climática vivida hoje levanta discussão acerca de suas origens e possíveis soluções.

Em 1967, o historiador medieval Lynn White Jr. publicou um artigo intitulado ”The Historical Roots of Our Ecological Crisis” (As raízes históricas de nossa crise ecológica). Este artigo provocativo se tornou o texto mais citado dentro do debate teológico sobre o meio ambiente.

Segundo White (1967), a cosmovisão cristã ocidental apóia e incentiva o projeto agressivo da humanidade de dominar e explorar a natureza. Anteriormente, as pessoas acreditavam que os espíritos viviam em objetos como árvores e, portanto, pensavam que a natureza era sagrada. O cristianismo eliminou essas visões antigas e as substituiu pela ideia de que todas as coisas foram feitas para ”benefício e governo” da humanidade. A humanidade passou a ser vista como feita exclusivamente à imagem de Deus e como tendo ”domínio” ou controle sobre todas as criaturas da terra - ideias baseadas nas histórias bíblicas da criação (Gênesis 1.26-30).

[O Cristianismo] não só estabeleceu um dualismo entre homem e natureza, mas também insistiu que é a vontade de Deus que o homem explore a natureza para seus próprios fins […] O monopólio efetivo do homem […] foi confirmado e as velhas inibições para a exploração da natureza desmoronaram […] O Cristianismo tornou possível explorar a natureza com indiferença aos sentimentos dos objetos naturais. (WHITE, 1967 p. 1205, tradução nossa)

White argumentou, ainda, que ”o cristianismo é a religião mais antropocêntrica [centrada no homem] que o mundo já viu”. Ele conclui que a conquista tecnológica moderna da natureza que levou à nossa crise ambiental foi em grande parte possibilitada pelo domínio no Ocidente dessa visão de mundo cristã. O cristianismo, portanto, ”carrega um enorme fardo de culpa”, diz White (1967).

De forma semelhante, o professor norte-americado Richard L. Means endereça a raíz do problema ambiental aos cristãos, uma vez que ”visualizam Deus como absolutamente transcendente, à parte do mundo, isolado da natureza e da vida orgânica. As implicações disso são uma dicotomia entre natureza e espírito”. Isso levaria, ideologicamente e operacionalmente, à exploração da natureza, uma vez que se acredita que Deus remove o espírito da natureza, segundo Means (1967).

Esta crítica, entretanto, deve ser endereçada à síntese do platonismo com o cristianismo. Como resultado, foi criada uma doutrina cristã de mandato cultural onde o meio ambiente deve servir o ser humano, dando-lhe a primazia do uso irrestrito dos naturais, onde ambiente e homem vivem uma relação apenas utilitarista, não a partir do relato bíblico, mas pelo dualismo platônico matéria-forma, aplicado à fé cristã como matéria-espírito. O historiador Alderi Matos identifica a origem desta síntese a partir do teólogo cristão Orígenes, no século III d.C.:

É na doutrina da criação que se percebe quanto Orígenes foi influenciado pelo idealismo platônico. Ele afirmou que Deus inicialmente criou um mundo invisível de intelectos puros, cujo propósito era a contemplação do Verbo, a imagem de Deus. Porém, sendo dotados de liberdade, muitos deles voltaram seus olhares para a multiplicidade, embora em diferentes graus. Daí uma existência de uma hierarquia de seres: celestiais, humanos e demoníacos. O mundo visível foi criado para ser um lugar de prova dos espíritos caídos. A criação desses dois mundos – espiritual e material – estariam descritas nos dois relatos paralelos de Gênesis 1 e 2 (MATOS, 2007, p. 51-52).

O meio ambiente a serviço da glória de Deus

Na perspectiva cristã, segundo Jonathan Edwards, o fim último para o qual Deus criou o mundo é a sua própria glória. Isto se derivaria de sua própria natureza e características de grandeza e perfeição. Se há tal ser grandíssimo e perfeitíssimo, não há outra fonte de prazer e deleite para si próprio senão na sua própria perfeição:

Assim, se Deus tanto estima quanto se deleita nas suas próprias perfeições e virtudes, ele só pode valorizar e deleitar-se nas suas expressões e efeitos genuínos. De modo que, ao se deleitar nas expressões das suas perfeições, ele manifesta um deleite em si mesmo; e, ao fazer destas expressões das suas próprias perfeições o seu fim, ele faz de si mesmo o seu fim. (EDWARDS, 2018)

Deste modo, o fim último de qualquer obra sua também deve ser sua própria glória. Ora, a fé cristã identifica a criação como sendo todo o mundo sensível, incluindo fatores físicos, biológicos e químicos que cerca os seres vivos, isto é, o meio ambiente. O teólogo Paul Hoff descreve a importância do relato bíblico para a fé cristã na formação da noção teleológica do relato da criação: ”O capítulo 1 do Gênesis foi escrito não tanto para descrever o processo de criação da natureza e do meio ambiente, mas sim, para mostrar sua causa e propósito. Ressalta a grande verdade de que Deus é o Criador” (HOFF, 1990, p.25).

Logo, o meio ambiente, do ponto de vista da criação, é obra de Deus, feita para manifestar a sua glória. Edwards também identifica uma benevolência de Deus para com as suas criaturas, a fim de seu próprio deleite:

De fato, depois que se intenciona que as criaturas sejam criadas, pode-se conceber Deus como sendo movido por benevolência para com elas, no sentido mais estrito, em seus tratos com elas. O exercício da sua bondade, e a gratificação da sua benevolência para com elas em particular, podem ser a fonte de todos os procedimentos de Deus pelo universo, como sendo agora o modo determinado de gratificar a sua inclinação geral de difundir-se a si mesmo. (EDWARDS, 2018)

Portanto, pode-se afirmar que a benevolência para com o meio ambiente, isto é, a criação de Deus, está diretamente relacionada à glória de seu criador, uma vez que ”o seu deleite nas emanações da sua plenitude na obra da criação provam o seu deleite na infinita plenitude de bondade em si mesmo”, nas palavra de Jonathan Edwards (p. 24, 2018).

Uma ética ambiental protestante

A parte da síntese platônica, a fé cristã, baseada nos princípios expostos, parece levar naturalmente à construção de uma ética ambiental. Mais precisamente, a fé cristã protestante precorreu tal caminho com os autores já citados, em caráter embrionário, mas, mais contundentemente, em meados da década de 1970, com Francis Schaeffer.

O teólogo norte-americado Francis Schaeffer se dedica ao problema ambiental no livro Poluição e a Morte do Homem. Em diálogo com Richard Means, Schaeffer argumenta que o problema ambiental, antes de mais nada, é um problema ético, uma vez que a ética, como disciplina, lida com a relação do ser humano com outros humanos, mas não o faz com o ser humano enquanto pertencente ao meio ambiente.

O artigo de Richard Means foi intitulado ”Why Worry About Nature?” [Por que se Preocupar com a Natureza]. Means começa o artigo citando Albert Schweitzer: ”A grande falha de toda ética até agora tem sido que eles acreditavam que eles mesmos teriam de lidar somente com a relação de homem para homem”. Ele citou Schweitzer, dizendo que a ecologia é um problema de ética, mas que o único conceito de ética do homem tem sido de homem para homem”. (SCHAEFFER, 2003)

Schaeffer identifica a necessidade da prática e espiritualidade cristãs serem integradas ao cuidado ambiental, em uma postura que ele chama de ”cura substancial”:

O presente chamado de Deus ao cristão, e à comunidade cristã, na área de natureza (da mesma forma que na área da vida pessoal cristã em verdadeira espiritualidade) é que nós deveríamos exibir uma cura substancial aqui e agora, entre homem e natureza e natureza e ela mesma, tanto quanto como cristãos possamos fazê-lo. (SCHAEFFER, 2003)

De forma parecida, físico meteorologista britânico John Houghton (1998), membro sênior do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e cristão devoto, rechaça o dualismo matéria-espírito, e diz que ”o material e o espiritual estão intimamente ligados” e que, em última análise, a mensagem cristã resulta no cuidado com a terra.

Não somente isso, mas Houghton leva a questão ambiental à ética cristã ao sugerir que, assim como o pecado, dentro da ética cristã, é a ofensa a Deus, da mesma forma, agressões ambientais, por serem ofensas à sua criação, são também pecados contra Deus:

Ao pensar no pecado e no mal que resultam de um relacionamento quebrado com Deus, os cristãos geralmente pensam no pecado contra as pessoas, não contra o meio ambiente. Mas se levarmos a sério a clara responsabilidade de cuidar da Terra dada aos humanos por Deus, também devemos reconhecer que falhar nessa tarefa não é apenas um pecado contra a natureza, mas um pecado contra Deus. (HOUGHTON, 1998, tradução nossa)

Houghton (1998) inclui como pecado atividades como ”extinção de espécies, redução da diversidade genética, poluição da água, terra e ar, destruição de habitat e interrupção de estilos de vida sustentáveis”.

Conclusão

Conclui-se, portanto, que, as críticas à antropologia utilitarista cristã se devem à síntese do dualismo matéria-forma platônica, absorvida pela teologia cristã. À parte do platonismo, a fé cristã baseada na revelação bíblica resulta em uma ética ambiental, que visa, de maneira última, a glória de seu criador.

Referências Bibliográficas

EDWARDS, Jonathan. O fim para o qual Deus criou o mundo. Mundo Cristão, 2018.

HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo/SP: Editora Vida, 1990.

HOUGHTON, J.. The christian challenge of caring for the earth. JRI Briefing Paper No, 1., 1998.

MATOS, Alderi S. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo/SP: Mundo Cristão, 2007.

MEANS, R. L.. Why worry about nature. Saturday Review, 50, 13-15, 1967.

MODELLI, Laís. Quase 30% das espécies conhecidas no planeta correm risco de extinção, diz órgão internacional. G1, 4 set. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/04/quase-30percent-das-especies-conhecidas-no-planeta-correm-risco-de-extincao-diz-orgao-internacional.ghtml. Acesso em: 12 set. 2021.

SCHAEFFER, F. A.. Poluição e a morte do homem. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

WHITE, L.. The historical roots of our ecologic crisis. Science, 155(3767), 1203-1207, 1967.


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